segunda-feira, 23 de julho de 2007

Tela de cores verdadeiras


Nesse teu deserto de reacções sei que não passo de miragem de um oásis que não procuras, arquivo de paletas apenas, sem guache para sonhar...
Lá irrigo pensamentos de magia por um caule de flor que chora de tristeza, abraço a luz na vertical lutando com as sombras à revelia das palavras que tendem a se misturar no silêncio.
Percorro o bloco de notas da maciez púrpura a que me entrego noite e dia.
Chovem divinos luares no prédio da esquina, porque treme a luz quando o sol se empina, se do mar as gaivotas trazem as estrelas, como se com safadeza me quisessem provocar...
Sinalizo os poemas favoritos que na escarpas crescem e me inundam.
Cresço da terra de onde brotas, minha alma impossível de conter, tonalidades dispersas, invertebradas, sonhadoras, destemidas, improvisadas...
Alegres?
Serenas?
Monótonas?
Cruéis?
Tristes?
Complicadas?
Hiper-activas?
Desenhadas, imaginadas pelos pincéis?
Sinto o bater do coração.
Redes cruzadas...
Eles chamam-me e interpretam a minha fala oculta, eles reagem segundo métodos que desconheço, são seres do espaço, são avançados, são ultra-secretos, juras de quem diz tê-los visto pousar nas searas em dias quentes de Verão.
Eles são tanto e muito mais...
São da minha família, dão-me boa noite quando adormeço...
São os alienígenas dos sonhos...
Tão diferentes e tão iguais porque tal como eu choram na infinidade do vácuo espacial.
Anjos e demónios correm sem multa, neles o meu sangue é avioneta que faz piruetas e é tudo um completo e misto revolver de emoção em emoção.
Há trigo na pequena casa que ainda hiberna, há o sol que se apresta para regressar, a cerca que segue junto à casa, o caminho pálido e rodado pelas carroças...
Tenho saudades da menina misteriosa e eterna de cor-de-rosa sobre o corpo, apoiada no chão e entre os fenos que se agitam com o vento que me acorda junto ao mar.
Para lá das colinas pastam as ovelhas, cercadas pela liberdade do rio sem estacas, os cavalos selvagens procuram-me com o olhar.
Passos negros, passos claros, madeira que aquece a alma dentro da casa, vidros que brilham, vidros que cortam minha nostalgia em dois pedaços...
São dois mundos paralelos, são dois traços com vestígios de amarelos.
O azul do céu esperneia, faz birra com os meus olhos que se confundem com ele.
Que há-de dizer o transparente tão ausente? Ou a laranja aparente que é triste por ter pouco sumo, que dizer do vermelho no peito sem rumo, do verde que arde na floresta indefesa, do lilás de uma casa na cidade poluída?
Abro as portas desta nave que é a criatividade, mergulho lá dentro como se voasse tal borboleta e há peixes que fazem surf sobre as ondas de lambreta.
A gaivota e o milhafre partilham a mesma vela de barco, a rã dá as boas vindas a quem visita o seu pântano ou outro ser quem tem o próprio charco.
Sem sair daqui, inebriado pela solidão, escrevo.
Os espantalhos comem as sementes que os pássaros deixaram porque temem.
Há ciclones e tempestades que por mais que remem se confundem com o motor que bate sem parar.
O coração não se entrega, não se desiste dele, não se dá, mas sim alimenta-se.
Eu sou fantasma e sou poeta, prosa e texto escrito com a minha letra esquisita, sou tinta e sou lacre, pena flutuante e caneta fervente...
Ser maldito, bendito, santo e pecador.
Atravesso os campos com os pés descalços de outro mundo qualquer...
Não magoo as searas, procuro a areia fina para a dor, morfina própria para deixar as pegadas e escrever na espuma uma nova página do livro que as ondas apaguem, porque entre as lágrimas e os sorrisos, entre mistérios e crepúsculos, auroras e gente sem escrúpulos
Ou quem me sorri e me faz sorrir nunca o consegui escrever.
Sou do mundo onde as cores que não se escrevem...
Que as asas do sonho as levem...
Quem as pintar que as descubra dentro de si.
É já ali que outro tempo emerge, é já ali que um golfinho submerge, é já ali que o farol indica os caminhos na ondulação.
Vou partir, vou chegar...
Vou viver, vou morrer...
Quando for anjo voltarei para então escrever esse extraordinário segredo, em páginas de ar...
Pelo céu, mais acima, onde apenas quem amar uma tela de cores verdadeiras conseguirá decifrar....
E sentir...

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